sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Inventar o Olhar - 1989

Ao contrário de tantos cultores afectados pelo desvio desumanização reinante, para quem o discurso poético representa a possibilidade do comprometimento ideológico e consumista apenas, Álvaro  de Oliveira forja uma poética de alianças e através dela se realiza: com a terra, com as coisas, com a vida, o amor e o mundo.
Não que o múltiplo seja nesta poesia o sinal da divisão, da tendência para a dispersão no espaço e no tempo.
Da contigência próxima, esta poesia inscreve-se antes no labor insubstituível da mutação permanente, na perenidade do presente: «o meu próprio instante», lê-se na primeira sequência - «Inventar o Olhar» a que se seguem dois momentos distintos: O Lugar das Harpas e Murmúrios, visivelmente conotados com essa música com que a antiguidade clássica, em nosso nome, cortejou a divindade.
Álvaro de Oliveira tem do fenómeno poético uma visão evocativa. Ou como um dia escreveu Maurice Blanchot: a lembrança é a liberdade do passado. Nesta linha de conta cada poema é uma memória profundamente localizada no ideário do poeta, por ele religiosamente guardada no espaço vivencial em que se move
Ele sabe que a parte é o tudo, ao contrário dos que pensam que o todo é a soma das partes, e a sua escrita é, acima de tudo, criador, ele escreve: «quando os sulcos de si falam».
à parte o privilégio de conhecer a poesia deste homem em cuja poética se cumpre exemplarmente a intersecção do absoluto com o relativo, eu diria que «Inventar o Olhar» é, em última análise, um pacto com a terra. Essa terra quotidianamente habitada, e do coração tão próxima, que começa a ser tempo de, para ela, o homem «Inventar outro nome».

                                                                                                      Vergílio Alberto Vieira
                                                                                                      * jornal Correio do Minho

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